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Afetividade e Espinosa



especial: http://razaoinadequada.com/2014/07/15/espinosa-origem-e-natureza-dos-afetos/
- Eduardo Sancinetti, Afetos

ESPINOSA – ORIGEM E NATUREZA DOS AFETOS



A filosofia de Espinosa é de uma beleza ímpar. Suas proposições são secas e diretas, mas por trás delas encontramos uma sede de vida, uma potência afetiva inigualável. Hoje escrevo para falar desta potência do corpo de ser afetado pelo que o cerca. O projeto de Espinosa envolve entender os afetos para cada vez mais utilizar-se deles e tornar-se mais potente. Façamos como Espinosa: aumentar a potência de sentir é também aumentar a capacidade de pensar e existir; e consequentemente, aproximar-se cada vez mais de Deus.
Por afeto compreendo as afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída” – Ética III, Def 3
O que é o corpo? É uma potência em ato, uma força de existir. Espinosa o define como um aglomerado de partes duras e moles, um conjunto de átomos, moléculas, tecidos, órgãos que possuem a capacidade de manterem-se unidos e agirem em conjunto. Mas o mundo nos supera em muito e por isso, muitas vezes, não temos a capacidade de agir sobre ele, e somos levados como folhas ao vento.
As afecções são o corpo sendo afetado pelo mundo. Somos corpos que se relacionam com outros corpos, quando sofremos suas afecções, quando somos afetados pelos outros corpos, nossa potência aumenta ou diminui.
afeto de alegria acontece quando uma afecção nos leva para uma potência maior de ser e agir no mundo; isso acontece porque encontramos um corpo que combina com o nosso. Ex. O corpo da mulher amada, o abraço de um grande amigo, a água fresca quando temos sede, a comida quando temos fome, a música que nos chega aos ouvidos. Espinosa chama a isso de bom-encontro.
afeto de tristeza acontece quando uma afecção nos leva para um condição menor de potência, ou seja, nosso conatus diminui, nossa força para existir e agir, afetar e ser afetado, diminui. Ex. o veneno que nos chega no sangue, encontrar-se com uma pessoa desagradável, ser ferido por um objeto cortante, ser infectado por alguma doença.
O corpo humano pode ser afetado de muitas maneiras, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída” – Ética III, post. 1
Dos afetos primários, alegria e tristeza, nascem todos os outros. O amor, por exemplo, é a alegria acompanhada de uma causa exterior; o ódio é a tristeza acompanhada de uma causa exterior. Estas afecções refletem-se diretamente em ideias destas afecções, e a mente tem a potência de pensar tanto maior quanto tem a capacidade de ser afetada por múltiplas maneiras (veja Espinosa e a relação mente/corpo).
A produção do desejo, por sua vez, depende de como o corpo é afetado. O desejo é a própria essência do homem (veja aqui). Ele aumenta ou diminui de acordo com o conatus. Esta potência do corpo de preservar-se vem de sua força para ser afetado o máximo possível pela alegria e evitar com a mesma força os afetos tristes. Mas podemos ser ativos ou passivos nas causas dos afetos:
Os afetos passivos, também chamados de paixões, acontecem quando não somos a causa de nossos afetos. Eles acontecem quando o mundo se impõe em nossos corpos. Ao sabor dos encontros, podemos ser afetados positivamente ou negativamente (achar uma nota de dinheiro no chão ou tropeçar e machucar o pé). Mas estes afetos são inconstantes e não podemos depender deles, já que, da noite para o dia, aquilo que exteriomente nos dava alegria pode, no momento seguinte, nos trazer tristeza.
Já afetos ativos, também chamados de ações, só podem ser felizes, porque o corpo sempre esforça-se para aumentar sua potência de agir. Não há pulsão de morte para Espinosa (veja aqui). Quando o corpo age, ele age por sua própria natureza, que é o conatus que se esforça para crescer, ser cada vez mais forte, ser mais capaz de ser afetado de múltiplas maneiras para agir no mundo de muitas formas e assim aumentar sua potência e ser afetado cada vez mais por afetos alegres.
A pergunta de Espinosa é, então, como evitar a tristeza? E mais, como produzir paixões alegres e posteriormente ações alegres? Parece difícil já que nossa sociedade parece estar inteiramente constituída para a tristeza e a melancolia. O cinza das cidades não parece apropriado para a felicidade. Mas somos afetados de múltiplas maneiras ao longo do dia, e dentre estes afetos quase sempre se dão bons encontros. A Ética de Espinosa procura transformar os afetos passivos em ativos, e assim sair da servidão para a liberdade.
afetos1
Podemos concluir então:
afetos 2
Os afetos passivos alegres são bons encontros que aumentam nossa potência corporal e também mental, esse aumento da potência de pensar geram noções comuns: passamos a entender melhor o mundo, conhecê-lo melhor. Conhecer melhor nossa relação com o mundo é ter a chance de escolher melhor seus encontros, ser ativo na geração dos afetos, o que alimenta nossa potência em ato para ser e agir.
A Ética é um guia prático para a alegria. Através da análise dos afetos, que ocorre na terceira parte, Espinosa segue pela quarta parte procurando entender porque “percebemos o melhor mas, entretanto, fazemos o pior”, e finalmente, na última parte, o que é a liberdade. O conhecimento é o mais potente dos afetos, não há nada mais poderoso do que conhecê-los, eles são a fonte para formarmos as noções comuns, conhecimento de segundo gênero, e nos libertarmos das tristezas, medos e outros afetos que nos impedem de sermos livres.
O prazer de ler Espinosa nasce da lucidez com que a mente pode analisar seus afetos para encontrar a felicidade, não em uma outra vida, mas aqui e agora, o corpo em conjunto com a mente. Espinosa era feliz em sua simplicidade, porque encontrou os caminhos para sua própria satisfação; sua Ética não é um livro de regras a seguir, mas um guia prático para que cada um encontre seu próprio caminho de auto-realização. Façamos bom proveito.
- Eduardo Sancinetti, Afetos
– Eduardo Sancinetti, Afetos

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