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ESPINOSA – ORIGEM E NATUREZA DOS AFETOS
A filosofia de Espinosa é de uma beleza ímpar. Suas proposições são secas e diretas, mas por trás delas encontramos uma sede de vida, uma potência afetiva inigualável. Hoje escrevo para falar desta potência do corpo de ser afetado pelo que o cerca. O projeto de Espinosa envolve entender os afetos para cada vez mais utilizar-se deles e tornar-se mais potente. Façamos como Espinosa: aumentar a potência de sentir é também aumentar a capacidade de pensar e existir; e consequentemente, aproximar-se cada vez mais de Deus.
Por afeto compreendo as afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída” – Ética III, Def 3
O que é o corpo? É uma potência em ato, uma força de existir. Espinosa o define como um aglomerado de partes duras e moles, um conjunto de átomos, moléculas, tecidos, órgãos que possuem a capacidade de manterem-se unidos e agirem em conjunto. Mas o mundo nos supera em muito e por isso, muitas vezes, não temos a capacidade de agir sobre ele, e somos levados como folhas ao vento.
As afecções são o corpo sendo afetado pelo mundo. Somos corpos que se relacionam com outros corpos, quando sofremos suas afecções, quando somos afetados pelos outros corpos, nossa potência aumenta ou diminui.
O afeto de alegria acontece quando uma afecção nos leva para uma potência maior de ser e agir no mundo; isso acontece porque encontramos um corpo que combina com o nosso. Ex. O corpo da mulher amada, o abraço de um grande amigo, a água fresca quando temos sede, a comida quando temos fome, a música que nos chega aos ouvidos. Espinosa chama a isso de bom-encontro.
O afeto de tristeza acontece quando uma afecção nos leva para um condição menor de potência, ou seja, nosso conatus diminui, nossa força para existir e agir, afetar e ser afetado, diminui. Ex. o veneno que nos chega no sangue, encontrar-se com uma pessoa desagradável, ser ferido por um objeto cortante, ser infectado por alguma doença.
O corpo humano pode ser afetado de muitas maneiras, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída” – Ética III, post. 1
Dos afetos primários, alegria e tristeza, nascem todos os outros. O amor, por exemplo, é a alegria acompanhada de uma causa exterior; o ódio é a tristeza acompanhada de uma causa exterior. Estas afecções refletem-se diretamente em ideias destas afecções, e a mente tem a potência de pensar tanto maior quanto tem a capacidade de ser afetada por múltiplas maneiras (veja Espinosa e a relação mente/corpo).
A produção do desejo, por sua vez, depende de como o corpo é afetado. O desejo é a própria essência do homem (veja aqui). Ele aumenta ou diminui de acordo com o conatus. Esta potência do corpo de preservar-se vem de sua força para ser afetado o máximo possível pela alegria e evitar com a mesma força os afetos tristes. Mas podemos ser ativos ou passivos nas causas dos afetos:
Os afetos passivos, também chamados de paixões, acontecem quando não somos a causa de nossos afetos. Eles acontecem quando o mundo se impõe em nossos corpos. Ao sabor dos encontros, podemos ser afetados positivamente ou negativamente (achar uma nota de dinheiro no chão ou tropeçar e machucar o pé). Mas estes afetos são inconstantes e não podemos depender deles, já que, da noite para o dia, aquilo que exteriomente nos dava alegria pode, no momento seguinte, nos trazer tristeza.
Já afetos ativos, também chamados de ações, só podem ser felizes, porque o corpo sempre esforça-se para aumentar sua potência de agir. Não há pulsão de morte para Espinosa (veja aqui). Quando o corpo age, ele age por sua própria natureza, que é o conatus que se esforça para crescer, ser cada vez mais forte, ser mais capaz de ser afetado de múltiplas maneiras para agir no mundo de muitas formas e assim aumentar sua potência e ser afetado cada vez mais por afetos alegres.
A pergunta de Espinosa é, então, como evitar a tristeza? E mais, como produzir paixões alegres e posteriormente ações alegres? Parece difícil já que nossa sociedade parece estar inteiramente constituída para a tristeza e a melancolia. O cinza das cidades não parece apropriado para a felicidade. Mas somos afetados de múltiplas maneiras ao longo do dia, e dentre estes afetos quase sempre se dão bons encontros. A Ética de Espinosa procura transformar os afetos passivos em ativos, e assim sair da servidão para a liberdade.
Podemos concluir então:
Os afetos passivos alegres são bons encontros que aumentam nossa potência corporal e também mental, esse aumento da potência de pensar geram noções comuns: passamos a entender melhor o mundo, conhecê-lo melhor. Conhecer melhor nossa relação com o mundo é ter a chance de escolher melhor seus encontros, ser ativo na geração dos afetos, o que alimenta nossa potência em ato para ser e agir.
A Ética é um guia prático para a alegria. Através da análise dos afetos, que ocorre na terceira parte, Espinosa segue pela quarta parte procurando entender porque “percebemos o melhor mas, entretanto, fazemos o pior”, e finalmente, na última parte, o que é a liberdade. O conhecimento é o mais potente dos afetos, não há nada mais poderoso do que conhecê-los, eles são a fonte para formarmos as noções comuns, conhecimento de segundo gênero, e nos libertarmos das tristezas, medos e outros afetos que nos impedem de sermos livres.
O prazer de ler Espinosa nasce da lucidez com que a mente pode analisar seus afetos para encontrar a felicidade, não em uma outra vida, mas aqui e agora, o corpo em conjunto com a mente. Espinosa era feliz em sua simplicidade, porque encontrou os caminhos para sua própria satisfação; sua Ética não é um livro de regras a seguir, mas um guia prático para que cada um encontre seu próprio caminho de auto-realização. Façamos bom proveito.
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